quinta-feira, 10 de julho de 2008

Confessai

“A confissão de obras más é o primeiro começo de obras boas.” - Agostinho de Hipona

No coração de Deus está o desejo de perdoar e amar. Por isto ele pôs em ação todo o processo redentor que culminou na cruz e foi confirmado na ressurreição.
A idéia comum do que Jesus realizou na cruz corre mais ou menos assim: as pessoas eram tão más e tão mesquinhas e Deus estava tão irado com elas que ele não lhes perdoaria, a menos que alguém importante sofresse o castigo por todas elas.
Nada poderia estar mais distante da verdade. O amor, e não a ira, levou Jesus à cruz. O Gólgota resultou do grande desejo divino de perdoar, e não da relutância de Deus. Jesus viu que mediante seu sofrimento vicário ele poderia realmente assumir todo o mal da humanidade e assim curá-la, perdoando-lhe.
Foi por isso que Jesus recusou o costumeiro tira-dores quando este lhe foi oferecido. Ele desejava estar completamente alerta para esta importantíssima obra de redenção. Numa forma profunda e misteriosa ele estava se preparando para entrar no inconsciente coletivo da raça humana. Uma vez que Jesus vive no Eterno Agora, esta obra não era apenas para os que estavam ao seu redor, mas ele estava aceitando toda a violência, todo o medo, todo o pecado de todo o passado, de todo o presente e de todo o futuro. Esta era sua mais sublime e mais santa obra, a obra que torna possível a confissão e o perdão de pecados.
Alguns parecem pensar que quando Jesus exclamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” foi esse um momento de fraqueza (Marcos 15:34).
Absolutamente, não. Este foi o momento de maior triunfo. Jesus, que havia andado em constante comunhão com o Pai, havia-se identificado tão completamente com a humanidade que ele era a verdadeira corporificação do pecado (2 Coríntios 5:21). Jesus teve êxito em assumir todos os poderes das trevas do presente século mau e em ter derrotado cada um deles pela luz de sua presença. Ele havia alcançado uma identificação tão completa com o pecado da raça que chegou a sentir o abandono de Deus. Somente desse modo ele poderia redimir o pecado.
Foi, na verdade, seu momento de maior triunfo.
Completada esta maior de todas as suas obras, Jesus pôde, então, tomar alento.
“Está consumado”, disse ele. Isto é, a obra da redenção estava completa. Ele podia sentir os últimos resíduos da miséria da humanidade fluírem dele para os cuidados do Pai. As últimas pontadas de mal, de hostilidade, de ira e de medo foram-lhe retiradas e ele pôde voltar-se de novo para a luz da presença de Deus. “Está consumado.” A tarefa está completa. Logo depois ele estava livre para render o espírito ao Pai.

“Para vergonha de nossos pecados ele ruborizou-se;
Fechou os olhos para mostrar-nos Deus;
Que todo o mundo se prostre e saiba
Que ninguém, senão Deus, pode mostrar tal amor.”
- Bernardo de Clairvaux

Este processo redentor é um grande mistério oculto no coração de Deus. Mas sei que é verdadeiro. Sei disto não só porque a Bíblia diz que é verdadeiro, mas porque tenho visto seus efeitos na vida de muitos, inclusive na minha. É a base pela qual podemos saber que a confissão e o perdão são realidades que nos transformam. Sem a cruz a Disciplina da confissão seria apenas psicologicamente terapêutica. Porém ela é muito mais. Realiza uma mudança objetiva em nosso relacionamento com Deus e uma mudança subjetiva em nós. É um meio de curar e transformar a disposição interior.
“Mas eu pensava que Cristo na Cruz e a obra redentora tinham algo que ver com a salvação”, pode você dizer. E têm. Mas a salvação, de acordo com a Bíblia, refere-se a muito mais do que a questão de quem vai para o céu ou quem se tornará cristão. Aos convertidos, Paulo disse: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Filipenses 2:12). Num sermão intitulado “O Arrependimento dos Crentes”, João Wesley falou da necessidade de os cristãos receberem como herança mais da graça perdoadora de Deus. A Disciplina da confissão pode ajudar o crente a crescer “à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4:13).
“Mas não é a confissão uma graça em vez de uma Disciplina?” Ela é ambas. A menos que Deus conceda a graça, não há confissão autêntica. Mas é também uma Disciplina, porque há coisas que devemos fazer. É um curso de ação conscientemente escolhido que nos conduz à sombra do Todo-poderoso.
“Como é que a confissão está incluída nas Disciplinas Associadas? Eu pensava que fosse um assunto privado entre o indivíduo e Deus.” Aqui também a resposta não é “ou/ou”, mas “e/também”. Somos gratos pelo ensino da Reforma, de que há “um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Timóteo 2:5).
Também somos gratos pelo ensino bíblico, cujo apreço se renova em nossos dias, de “confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros...” (Tiago 5:16). Ambos se encontram na Bíblia, e um não exclui o outro.
Achamos a confissão uma Disciplina tão difícil em parte porque vivemos a comunidade dos crentes com uma comunhão de santos antes de vê-la como uma comunhão de pecadores. Chegamos a sentir que todos os outros progrediram tanto em santidade que nos encontramos isolados e sozinhos em nosso pecado. Não suportaríamos revelar nossas falhas e deficiências aos outros. Imaginamos que somos os únicos que não puseram os pés na estrada do céu. Portanto, escondemo-nos uns dos outros e vivemos em mentiras veladas e em hipocrisia.
Se, porém, sabemos que o povo de Deus é, antes de tudo, uma comunhão de pecadores, estamos livres para ouvir o incondicional chamado de amor de Deus e confessar nossa necessidade abertamente diante dos irmãos e irmãs. Sabemos que não estamos sozinhos em nosso pecado. O medo e o orgulho que se apegam a nós como cracas, apegam-se aos outros também. Somos pecadores juntos. Em atos de confissão mútua, liberamos o poder que cura. Nossa condição humana já não é negada mas transformada.
Poder de Perdoar
Os seguidores de Jesus Cristo receberam o poder de em seu nome perdoar o pecado. “Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (João 20:23). Que privilégio maravilhoso! Por que afastar-nos de um ministério tão vivificante? Se nós, não por mérito, mas por pura graça, recebemos o poder de libertar os outros, como ousamos reter este grande dom?
Tal poder não ameaça, de forma alguma, o valor ou a eficácia da confissão privada. É uma verdade maravilhosa que o indivíduo pode entrar em uma nova vida na cruz sem levar o auxílio de nenhum mediador humano. Essa realidade dominou como um sopro de ar fresco nos tempos da Reforma. Foi como um toque de clarim de livramento da escravidão e manipulação que se haviam infiltrado no sistema confessional eclesiástico. Precisamos lembrar-nos, também, que o próprio Lutero acreditava na confissão mútua, fraternal. No Catecismo Maior ele escreveu:
“Portanto, quando te admoesto à confissão, admoesto-te a que sejas cristão.”
O indivíduo que conheceu, mediante a confissão privada, o perdão e o livramento de persistentes hábitos importunadores, deveria regozijar-se grandemente nesta prova da misericórdia divina. Há, porém, outros para os quais isso não aconteceu. Permita-me descrever o processo. Temos orado, implorado mesmo, por perdão, e embora esperando ter sido perdoados, não temos sentimento nenhum de livramento. Temos duvidado de nosso perdão e perdido a esperança em nossa confissão. Receamos que, talvez, tenhamos feito confissão somente a nós mesmos e não a Deus. As tristezas e mágoas do passado, que nos perseguem, não foram curadas. Temos tentado convencer-nos a nós mesmos de que Deus só perdoa o pecado, mas ele não apaga a memória. Em nosso íntimo, porém, sabemos que deve haver algo mais. Alguns disseram que aceitássemos o perdão pela fé e não chamássemos a Deus de mentiroso. Não desejando chamar a Deus de mentiroso, fazemos o melhor que podemos para aceitar o perdão pela fé. Porém a miséria e a amargura permanecem em nossa vida e novamente nos desesperamos. Por fim, começamos a crer que o perdão é apenas uma passagem para o céu, que não tem o propósito de afetar nossa vida no presente, ou que não somos dignos da graça perdoadora de Deus.
A Bíblia ensina que todos os crentes são sacerdotes diante de Deus. “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real” (1 Pedro 2:9). No tempo da Reforma este era chamado “sacerdócio universal dos crentes”. Uma das funções do sacerdote do Antigo Testamento era trazer o perdão de pecados mediante o sacrifício santo. O livro de Hebreus, naturalmente, deixa claro que Jesus é o sacrifício final e suficiente. Mas ele deu-nos seu sacerdócio, o ministério de efetuar aquele sacrifício real nos corações e nas vidas de outros seres humanos. É pela voz de nossos irmãos e irmãs que a palavra de perdão é ouvida e cria raiz dentro de nós.

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