quinta-feira, 10 de julho de 2008

Oração

12. Oração Contínua
A alma fiel ao exercício de amor e aderência a Deus, descrita acima, fica surpresa ao senti-Lo gradualmente tomar posse de todo o seu ser; ela desfruta de uma contínua sensação da presença, que vai se tornando natural; assim como a oração, a presença divina torna-se uma questão de hábito. A alma sente uma serenidade incomum penetrando gradualmente todas as suas faculdades. O Silêncio constitui agora todo a sua oração; enquanto Deus comunica um amor infundido, que é o princípio da benção inefável.
Ah, se me fosse permitido continuar com este assunto e descrever alguns graus da progressão infinita dos estados subseqüentes? Mas, no momento, escrevo para os principiantes e não devo ir além, mas aguardar o tempo de nosso Senhor para desenvolver o que pode ser aplicado a cada estado.
No entanto, é preciso interromper urgentemente toda auto-ação e auto-aplicação, a fim de que Deus unicamente possa atuar: Ele disse através do profeta Davi: "Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus" (Sl 46,10). Mas a criatura está tão desprovida de amor e tão apegada a seu próprio trabalho, que não acredita que isso possa funcionar, a menos que sentir, conhecer e distinguir todas as suas operações. Ignora que a dificuldade de observar seu movimento, é ocasionada pela velocidade de seu progresso; e que as operações de Deus absorvem aquelas da criatura, na medida em que aumenta mais e mais; as estrelas brilham antes do nascer do sol, mas gradualmente vão desaparecendo com o avanço de sua luz e tornam-se invisíveis, não por falta de luz em si, mas pelo excesso de luz no sol.
O mesmo ocorre aqui, pois há uma luz forte e universal que absorve todas as pequenas luzes distintas da alma; elas vão diminuindo e desaparecem sob sua poderosa influência; a atividade própria não mais é distinta.
Aqueles que acusam esta oração de inatividade, carregam um peso que só pode ser atribuído a falta de experiência. Ah, se pudessem ao menos fazer alguns esforços para alcançá-la, rapidamente ficariam cheio de luzes e conhecimento sobre ela!
A aparente inação é, de fato, não uma conseqüência da esterilidade, mas de abundância, como será facilmente percebido pela alma experiente; ela irá reconhecer que o silêncio está repleto e cheio de unção por causa da plenitude.
Há dois tipos de pessoas que guardam silêncio: aqueles que não tem nada a dizer e aqueles que tem muito a dizer. Este é o caso neste estado; o silêncio é ocasionado pelo excesso e não pela falta.
Afogar-se e morrer de sede são mortes muito diferentes; ainda assim se pode dizer que a água foi a causa de ambas; em um caso o que destrói é a abundância, no outro, a falta. Assim, a plenitude da graça paralisa a atividade do ser; portanto, é de extrema importância manter o máximo de silêncio.
A criança pendurada no seio de sua mãe, é uma ilustração viva do nosso assunto; ela começa a extrair o leite ao movimentar seus pequenos lábios; mas quando seu alimento flui abundantemente, contenta-se em engolir sem esforços; qualquer outra atitude iria machucá-la, derramar o leite e a forçaria a largar o peito.
Devemos atuar da mesma forma no início da oração, ao movimentar os lábios dos sentimentos; mas, tão logo o leite da graça divina flua livremente, nada devemos fazer senão ingeri-la docemente, em quietude; quando ela deixar de fluir, movimentar novamente os sentimentos, assim como a criança movimenta seus lábios. Quem atua de outra forma, não pode fazer melhor uso da graça, que é concedida para levar a alma ao repouso do Amor, e não para empurrá-la para a multiplicidade do ser.
Mas o que ocorre com o bebê que gentilmente e sem esforço bebe o leite? Quem acreditaria que assim receberia a nutrição? Quanto mais pacificamente se alimentar, melhor se desenvolve. O que se torna essa criança? Ela adormece no seio de sua mãe. Assim, a alma tranqüila e pacífica na oração, mergulha freqüentemente num adormecer místico, onde todos os seus poderes ficam em repouso, até que esteja totalmente preparada para este estado, do qual desfruta estas antecipações transitórias. Vejam que nesse processo a alma é guiada naturalmente, sem problemas, esforços, ciência ou estudo.
O interior não é uma fortaleza, para ser tomado com força e violência; mas um reino de paz, que deve ser conquistado unicamente pelo amor. Se alguém pretende seguir o pequeno caminho que apontei, será guiado à oração infundida. Deus não necessita de nada extraordinário e nem muito difícil; pelo contrário, Ele se agrada enormemente pela conduta simples e pueril.
As mais sublimes conquistas na religião, são aquelas facilmente alcançadas; as mais necessárias ordenações são as menos difíceis. O mesmo ocorre para as coisas naturais; se alguém pretende alcançaro mar, deve embarcar num rio, e irá ser conduzido a ele, sem sentir e sem erro. Se quiser ir até Deus, siga este caminho doce e simples, e chegará ao objeto desejado, com uma jornada tão fácil que causará surpresa.
Que possam ao menos tomar o caminho uma vez! Rapidamente irão perceber que tudo o que disse é pequeno, e que a experiência própria os conduzirão muito mais longe! O que temem? Por que não se lançam imediatamente nos braços do AMOR, estendendo-se na cruz para que Ele possa abraçá-los? Que riscos correm ao dependerem unicamente de Deus e ao abandonar-se inteiramente a Ele? Ah, ele não irá decepcionar, mas conceder uma abundância além de suas maiores expectativas; mas aqueles que esperam tudo de si mesmos, devem ouvir esta repreensão de Deus ao profeta Isaias: "De tanto andar ficaste cansada, mas nem por isso disseste: Isso é de desanimar!" (Is. 57,10 Vulg).

13. Abundância
A alma que já avançou a este ponto, não precisa de outra preparação além da quietude: pois, a presença de Deus durante o dia, que é o grande efeito, ou melhor, a continuação da oração, começa a ser infundida e é quase ininterrupta. A alma certamente desfruta de bênçãos transcendentes e descobre que Deus está mais intimamente presente a ela do que ela está para si mesma.
O único caminho de encontrá-lo é pela introversão. Tão logo os olhos do corpo se fecham, a alma se entrega à oração: ela se surpreende diante de tão grande graça e desfruta de uma conversa interna, que os assuntos exteriores não podem interromper.
O mesmo pode ser dito sobre as orações da sabedoria: "com ela me vieram todos os bens" (Sb 7,11). Pois, as virtudes fluem da alma para o exercício com tanta doçura e facilidade, que lhe parece natural, e a primavera viva desabrocha abundante e facilmente para todo o bem e numa insensibilidade para todo mal.
Que ela permaneça então fiel a este estado; e cuidado na escolha ou busca de outra disposição que não seja este simples repouso, como preparação tanto para a confissão como para a comunhão, para a ação ou oração; pois sua única vocação é ser preenchida por esta expansão divina. Eu não seria compreendida se falasse sobre as preparações necessárias para as ordenações, mas sim sobre a mais perfeita disposição interior onde podem ser recebidas.

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